Biblioteca Campus 3 — ESAD.CR | 11 de setembro a 8 de novembro de 2024
O Politécnico de Leiria acolhe a exposição “À espera do sol”, composta por desenhos e esculturas da autoria de João Honório. Desenvolvido em contexto de pandemia, o autor refere que este é um trabalho “sem outra intenção que não aquela de assinalar esse tempo, esperando que todos facilmente o entendam.” A exposição estará patente de 11 de setembro a 8 de novembro de 2024, na Biblioteca do Campus 3 do Politécnico de Leiria (ESAD.CR).
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“É sabido que o Desenho, como meio de representação e expressão utilizado através dos tempos pelos artistas, terá desde sempre percorrido múltiplos caminhos, conquistando assim autonomia por direito próprio. É veículo privilegiado para aprender a ver, educando o olhar, ao penetrar e ao compreender a forma das coisas. Na captação de uma ideia ou ideias ou como suporte na estrutura das mais diversas manifestações artísticas. Ora ainda, como ato mental em que a mão corre livremente, com raiva ou leveza, ao sabor das emoções do momento.
É a mão sempre presente indissociável do desenho, nesse gesto único e irrepetível, que eternamente se renova. Este o sentido dos trabalhos que apresento, convidando vos a participar nesta viagem ao mundo surpreendente do desenho e da escultura.”
João Honório
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Desenho, Combate e Delicadeza
“Mas o senhor mesmo me disse muitas vezes que a arte do arqueiro não é um passatempo, um jogo carente de finalidade, mas uma questão de vida ou morte.”
Eugen Herrigel
Zen E A Arte Do Tiro Com Arco
“A escultora Louíse Bourgeois no seu livro de estritos intitulado: “Destruction of the father reconstruction of the father,”[1] afirma que o fazer da escultura, especialmente da escultura em pedra, é um combate de “vida ou morte”, isto porque se o escultor no uso da força modeladora, porventura executa em qualquer momento uma pancada mais forte sobre o cinzel, a escultura desaparece.
Para que a escultura apareça, há que determinar com exatidão o seu lugar rigoroso dentro do bloco de pedra. O escultor renascentista Miguel Ângelo, tornou célebre a ideia de que a escultura já estava dentro do bloco de pedra e o trabalho do escultor consistia tão somente em retirar o excesso de material desse mesmo bloco, revelando-se assim a escultura. Esta constitui-se como meio de expressão que trabalha as formas que se revelam no espaço propriamente tridimensional. É um investimento nas superfícies modeladas tridimensionalmente que penetra fundo na realidade material modelada, na massa, mas também na realidade imaterial envolvente, no espaço.
Esta tarefa de retirar o excesso de material da escultura, não é nada mais que o trabalho do escultor que se encontra com o desenho, um tipo específico de desenho – o desenho linear – de longuíssima e frutuosa tradição italiana. É o único que consegue revelar a distinção ou fronteira entre a massa da escultura e a espacialidade envolvente desta. O lugar exato onde este desenho acontece é o invólucro, fino, ondulante e delicado da pele da escultura. A mesma pele que nos faz comover, rir ou implicar a nossa natureza erótica.
Então podemos afirmar, que neste jogo de vida ou morte que pode ser a prática da escultura, é importante indagar sobre as características do desenho linear pois é nele que reside a fonte de compreensão mais produtiva para entender os trabalhos expostos. Mas há muitos desenhos lineares, tantos quanto o número de praticantes; os indecisos e trémulos, os ziguezagueantes e os que tendem a resvalar para a mancha. A quele que aqui procuramos descrever procura os contornos bem definidos, com uma velocidade segura e constante em relação ao que se propõe expressar e comunicar. Este é o timbre da criação e pedagogia do Escultor João Honório, que ao longo de anos partilhou como professor aos seus alunos na escola que ajudou a criar, a Escola Superior de Arte e Design de Caldas da Rainha.
Olhando para as obras expostas reconhecemos bem essa exatidão, mas é preciso ir mais fundo nessa compreensão sem perder de vista os trabalhos expostos. Tudo começa na observação e na atenção, não é de estranhar por isso que muitos dos pensadores mais proeminentes da prática do desenho lembrem que o desenho de representação radica incondicionalmente na disciplina da observação. Como não lembrar a este propósito a máxima da cultura grega mais elaborada que considerava a contemplação a forma mais profunda de conhecimento. É essa predisposição do corpo e do intelecto que mais à frente revelará o domínio incondicional da forma. Mas para que tal ocorra é necessário praticar e repetir após longos períodos de observação e concentração, só assim se consegue criar usando traços rápidos e precisos “uma imagem que, não necessitando de nenhuma correção, serve de modelo aos seus alunos.”[2]
Esta forma de trabalhar implica a instauração de rituais, o ritual de preparar os riscadores e os dispor ordenadamente sobre a mesa de trabalho, o ritual da escolha da folha de papel, da sua fixação sobre um suporte rígido, etc… Este aspeto ritualístico ajuda o criador e o pedagogo a se sintonizarem para o ato de criação, é o momento prévio sem o qual não há desenho, na medida em que predispõe o corpo e a mente para a tarefa que há-de ocorrer, sem ela “nenhuma obra autêntica se realiza (…) o mais alto estado espiritual do artista só é alcançado quando se misturam, num único continuum, os preparativos e a criação, o saber oficinal e a arte, o material e o espiritual, o abstrato e o concreto”.[3] Infinitas vezes João Honório referia nas suas aulas a importância da força dominada pela sensibilidade e delicadeza. Um desenho ou uma escultura realizada com a aplicação da força delicada apropriada, acontece de forma tão natural como o respirar e só nesse ponto da disciplina, da sensibilidade e do intelecto se produz a segurança do traço ou força modeladora da escultura. Quem numa escola, algum dia possa ter aprendido essa lição, está preparado para a vida!”
Samuel Rama
19 agosto de 2024
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[1] BOURGEOIS, Louise, Destruction of the father reconstruction of the father: writings and interviews, 1923-1997, MIT Press, 1998.
[2] HERRIGEL, Eugen, Zen E A Arte Do Tiro Com Arco, Assírio & Alvim, 1997. p. 52
[3]Ibid,p.53
Nota biográfica
João Manuel Barrela Honório da Silva nasceu em Lisboa a 13 de Julho de 1948.
Formou-se em Escultura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Bolseiro em Londres, onde concluiu os Advanced Studies of Art.
Exerceu funções de professor na Escola José Tagarro de 1974 a 1991. Paralelamente, desenvolveu parte das suas atividades em pedra nas oficinas dos Mármores de Portugal (Cartaxo).
Colaborador do Atelier/Museu António Duarte desde a sua fundação. Lecionou desde 1992 (por concurso público) na Escola Superior de Arte e Design/ESAD das Caldas da Rainha. Aposentou-se do ensino em 2005.
Membro fundador do Novo Grupo dos Artistas Caldenses * (1982) e do que lhe sucede Grupo 6 (1984 – constituído também por António Vidigal, Antonino Mendes, Concas, Helena Mendonça e João Fragoso).
Desde 1964, apresenta as suas obras em diversas instituições e executa trabalhos em artes plásticas (pintura e escultura), publicidade e design.
Merece destaque a sua presença na III Exposição dos Artistas Caldenses, no Museu de José Malhoa (Caldas da Rainha, 1983), na Galerie d´Art Jacques Goupil (Alençon, França, 1983), na Exposition d´Artistes Portugais/Galerie Condillac (Bordéus, França, 1984), no Museu Luís de Camões (Macau, 1985), onde está representado. Exposição coletiva com artistas estrangeiros do atelier Moldetegui (Anglet, França, 1986), no Salão de Outono de Biarritz (França, 1986), no I Simpósio Internacional de Escultura em Pedra no Atelier Museu António Duarte (Caldas da Rainha, 1986). Participação nas II, III e IV Bienais de Escultura e Desenho de Caldas da Rainha (1987, 1989 e 1991) e na I Mostra de Escultura de Ar Livre (Amadora, 1988), bem como no Salão de Outono (Fórum, Santarém, 1988). Grupo 6/Galerie du Cloitre (Bayonne, França 1989), a convite do Consulado Geral Português. Galeria Ara/Escultura (Lisboa, 1989). Em 1990, realiza a medalha do centenário da EPC (Escola Prática de Cavalaria, Santarém) e expõe também na Galeria Almada Negreiros (da Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa), no Museu Condes Castro Guimarães (Cascais), Museu de Aveiro, Museu de Faro, Museu de Lagos, Museu de Setúbal, Museu da Figueira da Foz e Museu Grão Vasco (Viseu). Simpetra, Galeria Osíris, Caldas da Rainha (1992). I Simpósio de Escultura em Ferro, Abrantes (1996). Executa monumento de homenagem ao professor Eliseu, S. Martinho do Porto. Grupo 6 / Oliva (Espanha, 1996). Artista convidado na exposição 25 de Abril, 25 Anos, 25 Artistas, na Galeria Respública (Santarém, 1999).
Pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses A Descoberta do Brasil – 500 Anos, Casa dos Bicos (Lisboa, 2000), exposição de que foi feita itinerância.
Executa medalha do cinquentenário da Escola de Sargentos das Caldas da Rainha (2003).
Tributo a Rafael Bordalo Pinheiro (centenário da morte), exposição de desenhos críticos da sociedade actual portuguesa e lançamento do livro com o mesmo nome (Galeria Osíris, Caldas da Rainha, 2005).
Em 2008, exposição de desenho e lançamento do livro Preto no Branco, crítica da política actual portuguesa na Livraria Barata (Lisboa) e apresentação do mesmo, na Fundação Passos Canavarro (Santarém).
Exposição coletiva Artes na Alcáçova na Casa-Museu Passos Canavarro (Santarém, 2012).
Exposição de desenho e lançamento do livro Portugalos, crítica da sociedade política portuguesa no Museu de José Malhoa (Caldas da Rainha, 2013).
I Exposição de Antigos Alunos da E.A.D.A.A. na Galeria Projecto (Sesimbra, 2015). Exposição de desenho na Galeria do Centro Cultural Elvino Pereira (Mação, 2016). Exposição coletiva no Fórum Mário Viegas (Santarém, 2017).
Está representado em museus e coleções particulares no país e no estrangeiro. Tem obras públicas em Caldas da Rainha, Abrantes, Manique do Intendente, Cartaxo, S. Martinho do Porto, Bárrio/Alcobaça e Lisboa.
*Fundadores: Concas (pintora), Antonino Mendes, João Honório, António Vidigal (escultores) a que outros se lhes juntaram como artistas convidados. Grupo que desde cedo foi embrião do movimento impulsionador e congregador da vontade firme que teve o seu epílogo na criação da ESAD de Caldas da Rainha.
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Ficha Técnica:
Programação
João Mateus e Sónia Gonçalves
Produção
Sónia Gonçalves
Design gráfico
Francisco Moreira