“A Ciência Cura” – Exposição de fotografia de Luísa Ferreira

Curadoria: David Santos

Inauguração: 19 de outubro de 2023 | 15h30

19.10.2023 — 26.01.2024 | Biblioteca José Saramago (Campus 2 – Politécnico de Leiria)

A partir do livro “A ciência cura”, de Luísa Ferreira, nasce esta exposição, que foi inaugurada no Museu do Neo-Realismo, e que se apresenta agora no Instituto Politécnico de Leiria. Nas palavras de David Santos, curador da exposição, “As fotografias de Luísa Ferreira veiculam uma sensibilidade atenta ao pathos da humanidade, que desvela um movimento, uma série de instantâneos captados sem retificação ou hierarquia metodológica, perscrutados apenas por entre as fissuras do real.

Trata-se de uma constelação de imagens que, apesar da sua propensa objetividade, não deixam de se refugiar na ideia de fragmento (todas as fotografias o são, em parte), espécie de visões parcelares e autónomas em termos formais relativamente à sua motivação temática original, isto é, o conhecimento no combate ao COVID-19 em Portugal.”


As fotografias de Luísa Ferreira veiculam uma sensibilidade atenta ao pathos da humanidade, que desvela um movimento, uma série de instantâneos captados sem retificação ou hierarquia metodológica, perscrutados apenas por entre as fissuras do real. Trata-se de uma constelação de imagens que, apesar da sua propensa objetividade, não deixam de se refugiar na ideia de fragmento (todas as fotografias o são, em parte), espécie de visões parcelares e autónomas em termos formais relativamente à sua motivação temática original.

Como perceções dinâmicas e variáveis, animadas em torno de uma atenção particular a esse teatro de operações comandado pela determinação de uma luta sem tréguas, as imagens desta série sancionam, apesar das contingências e da urgência da sua realização, uma ideia de visualidade poética e semântica, em parte subsumível ao universo da ciência, mas de uma ciência humanizada na fusão estética e transcendental com os seus instrumentos e objetos específicos, como nessa imagem de um braço humano que, ao ser esticado para acender uma luz, parece assumir-se como extensão natural do complexo maquínico e laboratorial que ocupa o plano central da fotografia.

Se a ciência é, a cada dia, sinónimo de crença na cura da enfermidade que avassala o mundo, a arte é visionária e desconcertante no modo como interfere ou contribui para essa imagem, dado que coloca no plano do imaginário os sintomas de uma aliança mágica entre o real e a sua suspensão. Tal como escreveu Susan Sontag: «a câmara atomiza a realidade, torna-a manuseável e opaca. É uma visão do mundo que nega a inter-relação, a continuidade, mas que confere a cada momento as características de um mistério.»[1]

A troca de sentidos, afetos e significados que uma fotografia pode harmonizar entre duas pessoas constitui assim uma imagem simbólica do intercâmbio existente entre a ciência que luta agora para dominar o vírus e a arte que procura criar a memória dessa realidade histórica, a sua posteridade sensível, mas complexa. Deste modo, ao enfatizar qualidades e disfunções não disponíveis em outros meios, a arte permite criar dinâmicas de perceção do real que questionam as imagens estereotipadas que nos rodeiam, impondo um dispositivo de reflexão que as inverte e radicaliza a partir das suas contradições, para as renomear por fim enquanto possibilidade de aprofundamento sobre a experiência da vida. O que a série fotográfica de Luísa Ferreira reitera é precisamente esse aspeto de fascinação transversal a qualquer verdadeira prática artística. E se, como nos avisa Marie-José Mondzain, “o invisível, na imagem, é da ordem da palavra»[2], a fotografia parece alertar-nos, desde a sua origem, para a soberania da ilusão expressa pelo real nas suas imagens. A contingência desse exercício, para usar uma reflexão de Hans Belting, é que «a diferença entre imagem e realidade, na qual reside o enigma de uma ausência tornada visível, regressa à fotografia sob a forma da distância temporal em que se apresenta post factum aos nossos olhos.»[3]

David Santos
Curador / Diretor Científico do Museu do Neo-Realismo


Excerto de “Uma poética do combate”, in “Luísa Ferreira – A Ciência Cura”, Lisboa, INCM e Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, 2021.
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[1] Susan Sontag, Ensaios sobre Fotografia, (1973), (trad. port. de José Afonso Furtado), Lisboa, Quetzal, 2012, p. 31

[2] Cf. Marie-José Mondzain, L’Image peut-elle tuer?, Paris, Bayard, Coll. «Le temps d’une question», 2002

[3] Hans Belting, op. cit., p. 273


As fotografias de Luísa Ferreira (…) foram recolhidas durante a fase inicial da propagação do coronavírus SARS-CoV-2 em Portugal, durante os meses de abril a junho de 2020, incluindo o período de confinamento a que todos fomos sujeitos em Portugal, na Europa e no mundo. Refletem, efetivamente, um sentimento de profunda humildade perante a ignorância coletiva em que estamos todos mergulhados a nível global!

A incerteza e o desconhecimento sobre o futuro inundaram as nossas rotinas diárias, não sendo menos verdade admitir que a ocupação exaustiva dessas rotinas com sessões virtuais e o recurso às mais variadas tecnologias digitais não nos deixam o tempo suficiente para refletir sobre donde viemos, onde estamos e para onde queremos ir.

Porque saber lidar com a incerteza, o risco e o desconhecimento sobre o futuro, que o novo coronavírus SARS-CoV-2 tão prontamente nos veio alertar é, de facto, o desígnio de todas as sociedades modernas e o melhor que podemos passar às futuras gerações. Exige aprender mais, com mais solidariedade e debate intergeracional, compreendendo o respeito pelo próximo, independente do seu género, idade, etnia ou orientação sexual.

Aprofundar esta problemática é cada vez mais relevante pois este novo coronavírus passou de animais para humanos e embora esse processo esteja longe de estar conhecido, sabemos que as doenças zoonóticas, ou zoonoses, têm vindo a aumentar devido à pressão que as nossas sociedades e o seu desenvolvimento económico exercem na natureza. É uma clara manifestação de falta de equilíbrio da influência dos seres humanos na Terra, que se expressa também através das alterações climáticas. Ora, a eventual demonstração científica dessas relações com a pandemia com que agora vivemos exige mais conhecimento para conseguirmos fazer perguntas mais certeiras e difíceis e melhor percebermos os riscos que corremos, assim como evoluirmos nesta nova era geológica do Antropoceno.

Como diz o curador David Santos (…), “uma fotografia é sempre um diálogo de comunicação” e, neste caso, as fotografias de Luísa Ferreira são elementos efetivos de comunicação dos processos de fazer ciência e de produzir e difundir o conhecimento no combate ao COVID-19 em Portugal entre abril e junho de 2020. A forma como as fotografias de Luísa Ferreira nos apelam a refletir sobre a nossa própria fragilidade só nos pode estimular a aprofundar o debate sobre como temos de evoluir nesta nova era, com mais conhecimento e humanismo, estimulando novas perguntas para a ciência responder e melhor explicando a todos os processos inerentes à prática científica.

Manuel Heitor
Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, do IS Técnico, Univ. Lisboa (Foi Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, entre novembro 2015 e março 2022)

 

Excerto de “A CIÊNCIA CURA!”, in “Luísa Ferreira – A Ciência Cura”, Lisboa, INCM e Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, 2021.

Nota biográfica de Luísa Ferreira

Luísa Ferreira (Lisboa, 1961). Fotógrafa independente, Mestre em Design e Cultura Visual – Estudos de Fotografia, pela ESD/IADE-U (Lisboa, 2011). Começou a fotografar em meados dos anos 1980. Integrou a equipa de jornalistas fundadores do jornal PÚBLICO em dezembro 1989, fotografou para a agência de notícias norte americana Associated Press (1986-1998). Recebeu o Prémio Autores 2019, Artes Visuais, Melhor Trabalho de Fotografia pela sua exposição “Branco”, na Galeria Monumental (2018). O seu último livro publicado, resultado de uma encomenda, “A Ciência Cura: o conhecimento no combate ao COVID-19 em Portugal (março-junho 2020. Prepara doutoramento na FCSH, Universidade Nova de Lisboa.

A Cidade e os seus habitantes são temas centrais do seu trabalho em que reflete uma consciência social e política sobre a atualidade.

Consulte aqui a biografia completa de Luísa Ferreira

 

Ficha Técnica da Exposição:

Curadoria:
David Santos

Fotografia:
Luísa Ferreira

Programação e Produção:
Luísa Ferreira
Sónia Gonçalves

Design gráfico:
António Faria (Livro “A ciência cura”, de Luísa Ferreira)
Francisco Moreira (adaptação gráfica para o Politécnico de Leiria)

Comunicação:
Francisco Moreira
Liliana Gonçalves

Agradecimentos:
António Faria, David Santos, Maria de Fátima Dama Pires, Manuel Heitor, Município de Vila Franca de Xira | Museu do Neo-Realismo, Bibliotecas do Politécnico de Leiria, Serviços Técnicos do Politécnico de Leiria, Serviços de Ação Social do Politécnico de Leiria.